O escritor é o paranaense Miguel Sanches Neto, que além de 17 livros já publicados, entre romances, contos e poesias, é professor universitário, crítico literário e colunista do jornal Gazeta do Povo e, eventualmente, de O Estado de S. Paulo. O livro é patrocinado pela Itaipu Binacional.
“Viagem a Foz”, o relato apaixonado de um escritor premiado. Viaje com ele
Que tal ver Foz do Iguaçu sob a ótica – ou as palavras – de um escritor premiado e considerado um dos nomes mais representativos da nova literatura brasileira?
E o livro que escreveu tem um nome singelo: “Viagem a Foz”, fartamente ilustrado com imagens do fotógrafo iguaçuense Christian Rizzi.
Na apresentação, Sanches Neto diz que o livro “busca reforçar uma leitura amorosa e simbólica da Tríplice Fronteira”, que poderá servir “como um possível roteiro, embora o autor espere que funcione, antes de mais nada, como um pequeno tratado da arte de perder-se pelas cidades que há em Foz”.
Dividido em curtos capítulos, “Viagem a Foz” começa narrando como foi que Miguel Sanches Neto ouviu falar de Itaipu e de Foz do Iguaçu, quando ainda menino.
Turbinas
Ele diz que, quando morava em Peabiru, no norte do Paraná, ficava com os amigos num trevo, observando os carros que passavam e observando de onde eram as placas. Ele conta que, nessas observações, sua maior emoção foi ver vários caminhões, “engatados uns nos outros, arrastando uma carreta com dezenas de eixos, a transportar peças que viríamos a saber serem de turbinas”.
Alguém disse aos meninos, então, que aquilo que viam era o transporte das turbinas para a usina de Itaipu, em Foz do Iguaçu. “Nunca tinha visto a placa de um carro desta cidade. Mas foi assim que ouvi falar dela pela primeira vez, criando em mim um desejo de povoar esta palavra”.
Depois, vêm as várias vivências e experiências do autor nas suas andanças por Foz e a Tríplice Fronteira, abordando de uma forma emocionada e apaixonada aquilo que, para muitos de nós que aqui vivemos, não passam de coisas do cotidiano.
Como ele se sente em Foz? Um trechinho: “Em Foz, gosto de percorrer a Babel étnica, me sentindo no turbilhão da história contemporânea, com consumistas e ecologistas, materialistas e religiosos, as múltiplas nacionalidades, residentes ou viajantes, tudo misturado num resumo do agora”.
“Garoa”
Sobre as Cataratas? É um capítulo de pura poesia. Que termina depois do autor passear pelo parque, vendo a paisagem e ouvindo os sons até chegar ao estrondo das águas.
Ali, pertinho das águas, ele escreve: “As águas ficaram tão leves ao se precipitarem que o rio Iguaçu garoa para cima, molhando-nos e criando arco-íris horizontais, num eterno princípio do mundo”.
Sobre a Tríplice Fronteira, ele repara que o número três é mais amplo do que o que define a região. São três idiomas, português, espanhol e guarani; três países, Brasil, Paraguai e Argentina; e três cidades, Foz, Puerto Iguazú e Ciudad del Este.
O três
Em outro trecho do livro, ele reforça a simbologia do três quando entra na catedral de Ciudad del Este e observa um vitral com as padroeiras dos três países vizinhos: “Virgen de Lugan, Virgen Kaakupé e Virgen de Aparecida”.
“Sob a força centrífuga do número três (…) nascerá na fronteira um espaço aberto a outras etnias, entre elas chineses, coreanos e libaneses, que encontram na região uma multipátria pelo contato comercial, em um estado que historicamente acolheu os mais variados imigrantes”.
O quintal
Em Foz, Miguel Sanches Neto gosta de andar e explorar tudo o que pode. Até o que parece tão prosaico para quem aqui mora. Veja como ele descreve uma moradia no centro.
“Na rua Almirante Barroso, 1.239, vejo um quintal antigo, com plantas ornamentais e também uma horta. A casa tem um ar de longe e intensamente habitada. Uma senhora muito idosa sai apoiada por outra mais nova e se move por entre as plantas, inspecionando a florada da trepadeira e os roseirais antigos. Enquanto houver no centro um morador com este apego ao seu chão, Foz se manterá humana.”
Templos
O escritor conhece os “Três templos árabes”, nome de um dos capítulos, e chama a atenção para nomes de ruas “no passeio pela área árabe” de Foz.
“Vejo pés de manga, coqueiros, fortalecendo o cenário tropical, mas algumas esquinas me deixam tocado. A rua Palestina e a rua Meca cruzam com a rua Adoniram Barbosa e com a rua Clara Nunes. Tão Foz do Iguaçu estes encontros!”
No Templo Budista, “voltamos a nos sentir mínimos, agora medidos não pelas cataratas ou pelo gigantismo da usina, mas por estas estátuas, esculturalmente simplistas, que nos relembram que somos partícula de argila solta no tempo”.
“Pequenez”
Em Itaipu, Sanches Neto passou pela faixa que simboliza a fronteira entre o Brasil e o Paraguai. “Fomos ao Paraguai por uns instantes, para logo voltar ao Brasil, Itaipu funcionando como uma outra Ponte da Amizade.”
Sobre a usina, além de se impressionar com o gigantismo (“o sentimento de pequenez aumentou”), Sanches Neto destaca que “cruzar a fronteira ali é uma experiência diferente. Vemos dois países trabalhando juntos, com áreas administrativas próprias, explorando e cuidando desta riqueza que são as águas da divisa entre Brasil e Paraguai. As partículas de terra que viajam nelas pertencem ao solo de ambas as pátrias”.
Diz Sanches Neto que, em Foz, “são muitas as atrações turísticas, mas o cronista tem que escolher aquela que vai além da diversão e guarde um sentido maior”.
Nós e as aves
Entre essas, ele inclui o Parque das Aves, onde o turista interage com o meio ambiente. “Esta sensação de que estamos dentro da paisagem que vemos nos leva a pensar que, em verdade, são as aves que nos olham; não passamos dos animais expostos à curiosidade delas.”
Na visita ao bairro Cognópolis, ele fala da Conscienciologia, que “reforça o cosmopolitismo de Foz”. E diz que “é uma outra Foz do Iguaçu se erguendo numa área antes rural”. Para ele, a essência do movimento é “estudar, estudar-se e relatar suas experiências. Todos são chamados a se tornarem autores”.
Em Ciudad del Este, Sanches Neto come sopa paraguaia, “a sopa que não é sopa”, e deixa para outra oportunidade apreciar outros pratos indicados pela dona do restaurante: a chipa, a so´o e o bori-bori. “Só conhecer estas palavras já é estar no coração do Paraguai, mesmo tendo avançado uns poucos quilômetros além da fronteira”, diz o escritor em “Viagem a Foz”.
“O grito” das Cataratas
No lado argentino das Cataratas, a constatação de uma nova paisagem, mas sempre uma maravilha. No lado brasileiro, as Cataratas são vistas de muitos ângulos e de muitos níveis, diz ele, com o sobe e desce em que “vamos construindo montagens novas das quedas. Em cada pequeno mirante, um novo cartão postal”.
“No lado argentino, mantém-se a visão ampla, de quem olha as águas sempre de cima. E a súbita interrupção da passarela, que não pode continuar, nos revela o abismo líquido. O barulho que vem dali é o de um grito contínuo, que aumenta quando cresce o volume do rio.”
Ele compara com um quadro famoso. “É como se estivéssemos no interior do próprio grito, dentro do quadro do norueguês Edwvard Munch, ´O grito´, em que toda a passagem de Olsofjord se dissolve em linhas enlouquecidas. A Garganta do Diabo não apenas dá som ao grito, mas representa esta tela pelas águas que se desfazem em uma neblina que nos umedece. Há um desespero nesta paisagem que encanta com sua força divino/demoníaca.”
Há muito mais capítulos e mais descrições da terra em que vivemos. O livro fecha com uma frase forte: “Ir a Foz do Iguaçu é ter a alma selada e carimbada em vários países”.
O autor
Foto: Revista Cândido
Miguel Sanches Neto nasceu em 1965, em Bela Vista do Paraíso, norte do Paraná. Em 1969, mudou-se para Peabiru, onde passou a infância.
Doutor em letras pela Unicamp, é autor de romances como Chove sobre Minha Infância, Um Amor Anarquista e A Primeira Mulher, e do livro de contos Hóspede Secreto.
Desde 1994, é colunista do jornal curitibano Gazeta do Povo. Recebeu o Prêmio Cruz e Sousa (2002) e o Binacional das Artes e da Cultura Brasil-Argentina (2005).
Mora em Ponta Grossa, Paraná
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